Não gosto mais do meu trabalho. E agora?

Domingo passado eu fui no chá de bebê de uma amiga - e cliente - cheio de pessoas que eu nunca vi na vida, o que significa que eu me enfiei em um monte de small talk. E como toda small talk - ‘papinho’ - eles começaram com o ‘da onde você é’ seguido por ‘e o quê você faz’ e a resposta pra essa última pergunta normalmente toma um de dois caminhos: ou vai te dar absolutamente mais nada pra desenvolver - geralmente pra mim é quando as pessoas tem profissões tipo advogado ou consultor financeiro (brinks gente, eu amo vocês não importa o quanto o cérebro de vocês me intimidam), ou pode ser o começo de um papo muito interessante (tipo artistas, antropólogos e amantes de pessoas).

Curiosamente naquele chá de bebê 3 das 5 pessoas com quem eu falei acabaram me contando que elas estão querendo mudar de emprego. Isso já é bem comum em 2022 principalmente depois da Great Resignation pós pandemia, mas acho que também é muito comum entre brasileiros fora do Brasil já que muitas vezes acabamos em empregos que não seria nossa primeira escolha em casa. E essas 3 pessoas que me falaram isso queriam mudar de emprego simplesmente por não gostarem mais dos seus trabalhos ou, pior, elas se deram conta que nunca gostaram.

Como eu falei nesse post aqui, eu me tornei parte da estatística de pessoas que repensaram suas vidas e carreiras durante a pandemia e larguei minha carreira de 10 anos no varejo corporativo pra trabalhar full time com fotografia. Então eu entendo muito sobre o ‘não gosto mais do meu trabalho’ ou ‘devo só colocar o pézinho em outras águas pra testar a temperatura?!'.

E o que eu me dei conta enquanto eu me dava conta que não queria mais fazer o que eu tava fazendo é que antes de mudar de carreira vem um primeiro obstáculo: não saber qual vai ser a próxima carreira. E eu percebi que, como eu, muitas pessoas sabem muito bem o que elas não querem fazer mais, mas tem dificuldade em descobrir o que elas querem fazer.

Eu comecei a me dar conta que eu precisava considerar uma troca de carreira quando eu me vi procrastinando cada vez mais pra fazer o meu trabalho, quando eu me vi comemorando algumas reuniões importantes sendo canceladas, e quando eu percebi que eu não estava mais trazendo o meu melhor lado pra partes cruciais do meu trabalho e coisas que eu gostava muito de fazer antes. Um bom termômetro pra minha infelicidade no trabalho eram as noites de domingo: a ansiedade de começar uma semana nova batia forte e tinha um sentimento constante de não me sentir boa o suficiente pra um trabalho que eu sempre fiz muito bem por oito anos seguidos.

(É verdade que algumas dessas realizações foram ditas pra mim pelo meu corpo já que minha mente ficava ignorando todos os sinais: crises de ansiedade e uma dor absurda na lombar. E no final de semana seguinte do término do meu aviso prévio eu tive uma urticária nervosa por todo meu corpo. Mas isso é um tópico para um próximo post).

Uma vez que eu assimilei finalmente todos esses sinais, eu comecei a pensar sobre novas potenciais carreiras pra mim - algo que eu poderia trazer todos os meus anos de gerenciamento de negócios e liderança pra que eu não corresse o risco de ter um corte de salário tão grande. Eu lembro que liguei para os meus amigos da época da faculdade - cerca de 15 pessoas que até hoje mantemos contatos e fazemos um amigo-secreto-a-distância religiosamente todo final de ano - e tentei pegar idéias deles também. Falei com amigos próximos, com mentores que eu já tive ao longo dos anos e colegas de trabalho antigos. Eu stalkeei o perfil do LinkedIn de pessoas que eu admirava profissionalmente pra ver o que elas faziam e como tinham chegado lá. Eu naveguei incansavelmente por vagas no LinkedIn e sites de recrutamento em todos os países onde eu tenho autorização pra trabalhar. Eu recebia diariamente 8 alertas de vagas diferentes no meu e-mail. Eu fiz alguns curso que não terminei, entrei num clube do livro, chorei no ombro do meu namorado, reclamei pro meu terapeuta, decidi largar tudo e trabalhar no café fofinho que tem do lado da minha casa várias vezes, e logo depois decidi também que eu provavelmente deveria tentar fazer alguma coisa completamente diferente. Minha mente vagava entre ‘direção de arte em agência de publicidade’ pra ‘gerente de projetos em empresa de tecnologia’ e ‘varejo de luxo’ em questão de segundos. Até que eu decidi não mudar nada. O processo já estava exaustivo o suficiente.

Então um dia eu comprei um livro chamado ‘A Job to Love’. Como eu falei aqui nesse post, eu comprei esse livro pra uma amiga mas fui convencida pela vendedora da loja a comprar um pra mim também. E em uma das três vezes que eu tive que quarentenar em casa por conta da pandemia eu li o livro todo em três dias.

Parafraseando o livro, ‘com compaixão e uma prática profunda do espírito, esse livro nos leva a descobrir nossos verdadeiros talentos e a fazer sentido dos nossos desejos e aspirações confusas antes que seja tarde demais.’ Ele começa propondo alguns exercícios que leva a gente de volta pra infância: do que você brincava, quando brincava sozinha? qual parte da brincadeira toda era sua favorita? você pode detectar o que exatamente fazia você gostar tanto dessa brincadeira? E então o livro vai construindo a narrativa passando pelo que uma vez eu li em um artigo da Harvard Business Review de ‘deeply embedded life interests’ (em tradução livre: interesses profundamente intrínsecos), nesse artigo o autor Timothy Butler diz que esses interesses são paixões emocionais e de longo termo por certos tipos de atividades. Esses 'deeply embedded life interests’ não são hobbies ou entusiasmos passageiros, eles são paixões inatas que são intrinsecamente amarradas à nossa personalidade. Interesses de vida não determinam no que somos bons, mas sim que tipo de coisas nós amamos fazer.

Os ‘deeply embedded life interests’ incluem uma série de coisas, como ‘Produção Criativa', 'Aconselhamento e mentoria’, ‘Influência através da linguagem e idéias', etc. Saber quais são os seus interesses é uma ferramenta bem interessante e útil pra começar o brainstorming da sua mudança de carreira, uma vez que eles devem ser encarados como prioridade máxima pra quando você for definir seus próximos passos.

Enquanto eu fazia esse exercício eu me dei conta de duas coisas:

  1. Meu trabalho atual é perfeito pra mim: como gerente regional da Aesop na costa Oeste do Canadá eu estava exercendo meu lado orientado a pessoas, combinando Gerenciamento de Pessoas e Construção de Relacionamentos com Aconselhamento e Mentoria - e como um bonus adicional eu trabalhava com Beleza e exercitava Organização (duas coisas que são muito importantes pra mim - e se você conhece um pouco a Aesop, sabe que eles vivem pra beleza, harmonia e organização) e todos os meus valores pessoais eram perfeitamente alinhados aos da marca.

  2. O que eu também me dei conta é que depois de dois anos de pandemia gerenciando um time com ansiedade elevada, dificuldades com saúde mental e muito pedido de demissão, eu também fiquei um tanto cansada dessa parte dos meus 'life interests’ e me dei conta que talvez fosse uma boa idéia tentar algo diferente. Eu percebi que eu sentia falta de exercitar a minha criatividade e fazer algo pra mim e por mim, com completo domínio e autonomia do meu tempo. A necessidade de mudar de trabalho também veio com a decisão de vida de viajar mais no ano seguinte antes de sossegar (e potencialmente começar uma família). E quando eu estava colocando todas essas pecinhas juntas eu me dei conta que fotografia podia ser uma excelente profissão pra eu explorar.

O que começou com um hobby se tornou um enorme interesse, já que fotografar pessoas ainda me permite criar conexões e exercitar minha empatia (mas sem ter que gerencias a performance delas ou ter conversas difíceis, grazadeus) e ao mesmo tempo trabalhar minha criatividade e criar beleza. E no meio da minha busca por cursos de Gerenciamento de Projetos e MBA's caríssimos, eu decidi me dar uma chance pra florescer por conta própria.

Eu escrevi esse texto em Maio de 2022 e na época faziam 5 meses desde que eu tinha entregue minha demissão e faltava um mês pra eu terminar meu contrato com a Aesop e me tornar uma fotógrafa full-time. Um mês é muito pouco tempo, mas até então eu não tinha tido um dia sequer sem celebrar esse novo processo na minha vida - mesmo quando a ansiedade financeira batia forte e a minha conversa interior negativa dominava minha mente. Eu ainda tinha um caminho longo pra caminhar e re-descobrir o meu eu artístico enquanto me tornava uma solo-preneur e solo-responsável pelo meu crescimento. Mas a melhor parte disso tudo era a possibilidade de me conhecer um pouquinho mais a cada dia e degustar de deliciosos domingos a noites sem a ansiedade da semana por vir.

Fica de olho aqui nesse blog pra saber como a mudança de carreira vai progredindo

Beijos,

Mafê.

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