Uma mulher de sorte

Quando eu lembro de quando eu era criança ou pré adolescente e da minha relação comigo mesma e com meu corpo, lembro de ter sido ensinada a ser vaidosa, mas nem tanto. Ser esperta, mas nem tanto. Me importar com a aparencia, mas nem tanto. Tudo era importante, mas nem tanto, porque se eu passasse o tanto eu virava fútil, vulgar ou espertinha demais.

As minhas amigas de infância, que carregamos umas as outras pra vida, compartilhavam dessa mesma auto-estima machucada e que foi se ferindo ainda mais com o tempo desde antes da gente saber o que era auto-estima. Antes mesmo de eu conseguir interpretar sozinha o que era beleza, eu já sabia que não era. Bonitinha, mas nem tanto, espertinha, mas não o suficiente.

E, juntas, construimos uma bolha de auto depreciação onde a gente nunca seria muito de nada. E assim foi por anos.

Com o tempo isso foi virando minha zona de conforto desconfortável, o que fez eu dar uma importância injusta pro lugar da sorte da minha vida.

Claro que eu tenho - e muita - que começou no momento, lugar, família e contexto social em que eu nasci. Mas muitas coisas eu fui injustamente atribuindo à sorte, porque à minha competência eu não era capaz de atribuir nada.

E foi assim que eu me tornei uma mulher de sorte. Sem nunca reparar que eu estava construindo essa sorte todos os dias e, por não reparar, a auto-estima continuou estagnada lá atrás apesar de tudo o que eu estava conquistando.

Mas apesar disso, eu consegui construir um conforto em estar sozinha desde cedo.

Lembro que a primeira vez foi quando eu tinha uns 15 anos e fui sozinha para o cinema, sem nem pensar que isso não era muito comum.

E desde que eu sai de casa, aos 21, pra morar na Austrália eu entendi que a minha casa sempre seria eu. Foi aí que eu aprendi a me aconchegar, deixar ela em ordem e voltar pra ela sempre que me sinto longe. E também foi aí que eu entendi como é gostoso conhecer com intimidade as dores e as delícias de ser quem eu sou.

Mas foi há uns 7 anos que eu comecei a deixar de ter sorte e passar a reconhecer meu trabalho, minha competência e até um pouquinho de beleza.

Na terapia eu aprendi a reconhecer o poder da autorresponsabilidade - tanto nas dores, quanto nas delícias que causamos. Entendi que tudo o que eu tenho foi construído, e da onde saiu tudo isso pode sair muito mais.

E com a Brené Brown (sim, rainha) eu aprendi a deixar a vergonha abrir espaço pra coragem, e dar uma importância menor para as criticas dependendo da onde elas vêm.

Hoje a auto-estima ainda pega, afinal eu sou a fotógrafa que não gosta de se ver em nenhuma foto e se sente extremamente inadequada em quase todas as ocasiões, mas todo esse trabalho interno que eu venho fazendo nos últimos muitos anos me ajuda a sair do buraco toda vez que eu caio nele.

E pela minha história com a auto-estima que eu me encontrei de novo, e com muito carinho, no espaço de fotografar outras mulheres.

Eu já fotografei muitas mulheres no último ano. Cada qual com sua história, suas conquistas, suas perdas, seus momentos de vida. E uma coisa que eu vi em comum em (quase) todas, foi uma auto-estima machucada. Uma urgência em olhar pra sim, mas com muita vergonha. Uma vontade de libertação desse sentimento auto-depreciativo que às vezes prende a gente num lugar e não parece deixar a gente sair nem expandir pra qualquer lugar. E nossa, como eu entendo esse sentimento.

Conseguir me conectar com isso e oferecer um lugar seguro pra ter essa vergonha, superar ela, se olhar, se soltar, chorar se for preciso, é o que me faz fazer o que eu faço. Todo. Santo. Dia.

E a recompensa é não só o resultado das fotos, que me emocionam toda vez que entrego as prévias e o ensaio final, mas saber que foi muito mais que uma hora e meia fotografando. Foi uma experiencia de auto-carinho que vai ser lembrada pra sempre.

Nas últimas semanas eu fiz alguns ensaios desses, e guardo todos esses comentários com carinho em uma pastinha pra eu voltar toda hora nela e lembrar o meu ‘porquê’ de fazer o que eu faço. Qualquer hora aqui eu volto pra contar a história de cada um deles… Por hoje eu só queria dizer pra todas vocês que já fotografaram comigo: muito obrigada pela confiança, não só nas minhas fotos, mas em confiar a mim os pedacinhos mais deliciosos e doloridos de ser quem vocês são. It means the world.

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